Caminhos.

“Nunca é tarde, nunca é demais.

Onde estou? Onde estás?

Meu amor, vem me buscar”

(Bárbara – Chico Buarque)

Tornei minha saudade ainda maior pecando na vontade de olhar, quem sabe uma última vez, quem sabe apenas mais uma vez, o seu caminhar apressado de quem está sempre devendo na pontualidade.

Recorro, novamente, a essa caneta azul e às paginas rabiscadas do meu caderno favorito, que parece que nunca bastam quando tento falar seu nome. Quem sabe vivo um pouco ao teu lado nessas linhas, quem sabe jogando seu nome perdido na folha branca, jogue também a saudade pra longe de mim. Mas, ao mesmo tempo, penso: se a saudade for embora, onde poderei lhe guardar? Você fez casa na saudade, e essa saudade fez residência em meu peito. Vejo essas lembranças estampadas em mim e cuido delas, olho para elas como você costumava me olhar enquanto eu fumava meu cigarro, pra que elas permaneçam aqui, sabendo que, na verdade, a única forma de elas irem embora, é se você voltar.

Meu bem, andei tão triste. Vivendo esse hoje tão longo, e tentando escapar dessa aflição de achar que o nosso ontem foi tão breve. Será que é tarde para contar o quando pensei em você? Ando apressada nos caminhos da memória tentando descobrir quando foi que meus passos foram para um lado e os seus para outro. E procuro descobrir, também, de onde vem essa certeza de que, mesmo assim, você está, ainda, ao meu lado. Como se nossos caminhos estivessem paralelos, se olho pro lado, vejo seu rosto, se olhas pro lado, vê meus olhos. Mas, por destino, ou não, os caminhos não se cruzam.

Lembro daquele verão. Você me contou que, enquanto eu falava, você traçava linhas na areia, como quem traça caminhos. Penso se traçou nossos caminhos na areia daquela praia. Tenho vontade de lhe perguntar: os caminhos se juntavam, assim, no fim? Ou será que enfim, vou ter que, de fato, aceitar você para um lado e eu para o outro? Brinco de botar a culpa em ti. Não me entenda mal, eu sei que não é. Mas será que você traçou nossos destinos separados? Sei que é bobagem minha, mas e se você tivesse unido nossas linhas naqueles traços de areia? Será que você ia estar por perto? Balanço a cabeça, e aceito minha culpa nessa história, mas é muito pesada essa perda que carrego nos ombros. Eu prefiro acreditar que nunca houve escolha pra nós, que o destino era um futuro sem futuro. Prefiro pensar assim, porque dói demais desperdiçar amor. Dói muito ter visto a chance clara e desviado o olhar. Pelo menos pra mim era uma chance clara. Pelo menos pra mim era amor. Chega a doer em meu peito o meu medo de perguntar se chegou a ser amor pra ti. Eu não sei, realmente. Sei apenas que o que sobrou não condiz com a perfeição que eu esperava. Me parecia, assim, tão perfeito encontrar seus olhos em algumas tardes, e parecia tão perfeito seu medo de me tocar,  mãos lado a lado, mas sem se encostar. Sobrou apenas uma angústia solitária aqui dentro.

Às vezes transborda em meu peito uma vontade, quase estúpida de brigar com esse tão cruel destino, e dizer pare ele que já basta de saudade, que eu quero meus passos ao lado do seu andar apressado, que quero saber da sua vida, suas histórias, saber se você insiste em cuidar dessas lembranças estampadas no peito da mesma forma que eu cuido. Outras vezes tenho vontade de brigar comigo mesma. Me pergunto como foi que deixei o meu caminho não ser também o seu caminho? E, raras vezes, tento, ainda, brigar contigo, grito alto pra ver se você me ouve aí no seu mundo, porque foi que você foi embora quando pedi? Por que não ficou me olhando com seus olhos que me trazem tanta segurança até eu entender a falta que sentiria quando você fosse embora levando junto seu olhar.

Encontrei meu corpo junto ao seu nesses labirintos dos sonhos. E, na verdade, não sei se dormia realmente, ou se eram apenas meus pensamentos acordados que sonham tanto em te ter comigo, se perdendo tanto, voando tão alto pensando em você. Já não sei mais quantas vezes me perdi em você, enquanto tento descobrir se realmente perdi você. Caminho nas lembranças, cuidando das memórias, revendo suas fotos, levemente assustada com a possibilidade de, depois de tanto tempo, acabar esquecendo seu rosto, seus traços, seus gestos. Não posso, não quero, não vou esquecer. Cuido das memórias como quem cuida de si mesmo. Quantas vezes me perdi, sozinha no meu mundo, na minha imaginação, inventando mil histórias em que você voltava. E toda vez que, aqui dentro de mim, você volta, como lhe explicar aqueles dias em que fui tão estúpida em fugir pra longe de ti? Como explicar o que nem eu mesma sei? Tive medo, fui covarde, saltei do barco antes de chegar à costa. Quando vi, você já estava tão dentro de mim, tão perto do meu coração, já não podia mais me esconder, já lhe contava histórias que não contava a mais ninguém. Me assustei, pedi, achando que era o certo: vá embora.

E você foi. Foi embora para um lado. Eu caminhei para o outro. Olhei para trás algumas vezes, tentando ver se você não fazia mesmo. Olhei tentando ver seus olhos de novo. Você não olhou. Olhei mais uma vez, e me perguntei se minha angústia é segredo pra ti. Ou se ela está estampada na minha cara do mesmo jeito que está estampada aqui dentro.

Guardo as memórias como se elas já fossem pedaço de mim. E guardo em mim essa dúvida que se ascende aqui dentro ao lembrar o seu cheiro, as suas coisas, os momentos em que meu corpo esteve sobre o teu. Guardo aqui, tal qual a saudade. E da mesma forma que a saudade não passa, a duvida não vira certeza. Queria lhe perguntar pra ver se sua segurança me traz alguma convicção de que ainda não é tarde. Você foi embora há tanto tempo, e eu vivi tanto sem te ter ao meu lado. Conheci a vigília, o sono, os sonhos, os labirintos da razão, e conheci ainda mais os labirintos do meu peito, enquanto te procurava aqui dentro. Sinto que continuo caminhando pelos caminhos que você traçou, e cada passo que dou, sem por que nem quando, cada cigarro que fumo, sinto seus olhos me observando como daquela vez. É tarde pra pedir que você deixe eu descansar meu olhar nos teus olhos? Queria dizer que quando te vi aí tão longe, quando olhei pra trás e percebi que seus olhos não me perseguiam mais, eu me assustei. E se agora eu pedir: Volta.  Será que é tarde?

2 Responses to Caminhos.

  1. Ysadora disse:

    Gostei muitos dos textos! Vou acompanhar! =**

  2. Naná disse:

    Muito bom seu blog.Bom saber que ainda tem gente que curte poesia.

    🙂

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